Por alguma razão desconhecida (ou nem tanto assim) a relação mãe-filha é sempre mais sinuosa que a relação mãe-filho.
Digo eu, e isto vale o que vale.
As filhas também são, obviamente, todas diferentes umas das outras e outras mães terão outras experiências.
A minha é esta.
Ele, ainda que com as suas transes de parvoíce, que o acometem cada vez com mais frequência nesta fase, é um miúdo mais calmo e ponderado. Não é dado a grandes melodramas e poucas vezes, excepto quando está na reta final de um dia muito cansativo, me faz birras dignas do nome, com direito a choradeiras ou outras coisas que tais.
Ouve a explicação para um não, sem perder as estribeiras. Refila, sobe as escadas a correr e a bater os pés, mas já não entra em choradeira desesperada a cada nega, sobretudo em público.
Abraça-me em privado com a mesma intensidade e sentimento, devolve os carinhos que lhe faço, mas com gente presente, sobretudo a sua gente, estas demonstrações têm as suas fronteiras bem definidas. Está a crescer...
Ela, doce e espalhafatosa, ainda não abandonou a sua forma de reagir, de entrar em histeria a cada não. O seu choro descontrolado domina-a, impedindo-a de ouvir os meus motivos.
Embarca naquela birra irracional que eu já não acho compatível com o seu tamanho, mas que ela ainda não controla.
Abraços, beijos, palavras carinhosas brotam a toda a hora. Não há dia, não há minuto do dia em que ela não me diga que sou fofinha, que gosta muito de mim, que não me resiste. Palavras dela.
Quando se zanga, vira costas e com a mesma impetuosidade com que desaba a chorar com uma nega, enche o peito e cresce 10 cm para me dizer que nunca mais me vai dar um mimo na vida.
Mas aquela pose, dura o tempo que eu demorar a dar-lhe um abraço, a que ela resiste, mas não ao meu olhar e desatamos as duas a rir. Nisso somos parecidas. Não conseguimos ficar amuadas muito tempo. Consome energias a mais e dá muito trabalho.
Ultimamente sinto-me muito desgastada com ela. Ela ocupa demasiado espaço e eu preciso de um bocadinho mais de espaço para mim. Ela é assim...sempre pele com pele.
E eu, nesta fase, ando a sentir-me demasiado sufocada para consentir pacificamente tanta carência e afetuosidade. Às vezes tenho medo de a enxotar tantas vezes que ela comece a fechar a porta a este afeto, mas eu espero, sinceramente, que não.
Havemos de encontrar o nosso equilíbrio novamente, eu espero...
Mas depois é isto...escrevi oito linhas sobre ele e dezasseis sobre ela.
Talvez a conheça melhor a ela, porque ela mostra o que é. Está ali, latente, à vista de todos.
Ele é mais reservado, temos de desfolhar, camada a camada, para chegar ao âmago.
Ele é controlado perante a dor, ela sofre por antecipação.
Ambos gostam de ajudar a fazer coisas de adultos, fazer comida, aspirar ou varrer o chão, limpar o pó, contudo são ambos preguiçosos nas coisas pequenas, como arrumar o quarto ou lavar os dentes.
Este amor que lhes tenho é tão grande que quando me ponho a pensar nisso quase que me falta o ar.
E este discurso todo é para? Perguntam vocês (as poucas que ainda vão andando desse lado).
É que falta uma semana para me ver privada deles durante 7 dias e meio. E, ao contrário do que muitos pensam, não sou uma mãe assim tão descontraída e liberal. Estas coisas custam-me e vêm cá do fundo da alma...a tentação de os prender ao pé de mim com medo que lhes aconteça alguma tragédia shakespeareana podia prevalecer e é contra isso que me debato sempre, sem deixar transparecer inseguranças tolas. Os meus receios não hão-de privá-los de viver aventuras.
Mas é nestes momentos que a minha mente se depara com miúdos que morrem afogados, autocarros escolares que são soterrados com entulho e se partem em dois, eu sei lá...
Depois respiro fundo, lentamente e entrego-os nas mãos de Deus.
Não podemos estar sempre presentes, mas Ele é omnipresente e cuidará deles quando e como não podemos.