É raríssimo termos a televisão acesa à hora da refeição, razão pela qual passamos ao lado da maior parte das notícias do telejornal.
Contudo, esta semana, numa dessas raras excepções, o noticiário estava a passar enquanto jantávamos.
A boa verdade é que, regra geral, ou fala de desgraças ou de coscuvilhices sobre a vida alheia.
A dada altura, passou a reportagem sobre o segundo jornalista decapitado pelo Estado Islâmico. Os meus filhos, de 9 e 7 anos, ficaram absortos.
O Gabriel perguntou: - mas porque é que ele não se defende e sai dali? Nem se apercebendo que o homem estava amarrado, era prisioneiro de outros homens como ele, que lhe quiseram fazer, deliberadamente, mal.
Isto é duro, muito duro. Olhar para alguém que, sem culpa, ali está a proferir as últimas palavras, sabendo que vai morrer de forma horrenda.
O José Rodrigues dos Santos fez uma reportagem logo de seguida nos campos de refugiados entre a Síria e o Iraque. 7 meninos estão ali sem pais, sem família, sem ninguém conhecido. Um deles diz que o pai foi morto e que a mãe foi levada não sabe para onde. 7 aninhos de gente. A idade da minha filha.
A comida já mal me descia pelo esófago, confesso. Já me sentia indigna de tudo, até dos meus pensamentos patéticos e da dor de cabeça que me tinha debilitado todo aquele dia.
Eles, às tantas, já diziam que não queriam ver o telejornal. Já imploravam que mudássemos de canal.
Ainda assim, foi o mote para lhes dizer que é muito bom que vejam como é que há crianças a viver fora da bolha que eles conhecem. Que enquanto eles pedem quase imperativamente um telemóvel e perguntam desconsoladamente porque só recebem brinquedos no Natal e no aniversário, há meninos que comem o que há, que não têm pai nem mãe para os aconchegar à noite ou para lhes amparar as febres e as dores, que não vão à escola e que já viram morte, desespero e vazio que chegasse para dez vidas.